"O desafio estava feito. A pré-inscrição realizada. Aproximava-se a data limite da inscrição e o Amigo JB, não desistia. Armámo-nos em artistas e seja o que Deus quiser. Estávamos finalmente inscritos na nossa primeira Ultra-Maratona.
Foi com expectativa que vi os dias aproximarem-se. Com expectativa e com treinos intensificados. As viagens para o trabalho em 2 rodas ajudaram também na preparação. Na semana que antecedia a prova, ao contrário do que costumo fazer, não deixei de treinar. Segunda, terça e quarta-feira foram dias normais de treino.
O nervoso miudinho que não consigo deixar de sentir antes destes desafios, agravava-se com o ultimar os preparativos. A previsão meteorológica para o dia da prova também não me deixava mais descansado.
Sexta-feira chegou rapidamente. Após um dia de trabalho que me deixava na incerteza relativamente à hora de saída, acabei por conseguir recolher o Amigo JB por volta das 18h. Rumámos em seguida para Serpa, onde jantámos uma bela refeição tipicamente alentejana no restaurante Molho o Bico. Aconselho!
O resto da noite ia ser passado na bela estalagem de Minas de São Domingos, a 30km’s de Serpa. Um qualquer evento local esgotou a capacidade hoteleira da zona, levando a organização a arranjar alojamento de luxo ao preço de amigo, como foi o caso desta estalagem de cinco estrelas.
Após uma noite bem dormida e um pequeno-almoço buffet bem reforçado, seguimos para Serpa a tempo ainda de levantarmos os nossos dorsais. Com tudo cronometrado desde o acordar, nada falhou e às 8h em ponto estávamos rodeados de malucos como nós, atrás do pórtico da partida.
Quando partimos, junto a uma rapariga que viria a terminar a prova pouco depois de nós, recordo-me de ter verificado que esta partida tinha sido diferente das demais partidas das provas em que tenho participado. Calmamente, todos começámos a pedalar…
Rapidamente nos começámos a envolver nos trilhos rurais, sob um céu cinzento e ameaçador no seu horizonte. O esforço era doseado ou pelo menos tentava-se pedalar com poupança. Mudança leve e ritmo certo até ao primeiro single-track, junto ao Guadiana. Este single ao km 17 não era pedalável em toda a sua extensão e acabou por juntar os participantes. Uns atrás dos outros, pedalávamos quando possível e empurrávamos quando impossível. Atenção redobrada pois um descuido para o lado errado podia dar direito a banhoca no rio. Neste single, o JB ainda experimenta o solo mas sem qualquer tipo de consequências para homem e para máquina.
O percurso continuou, alterando a paisagem e presenteando os participantes com subidas pouco condizentes com uma Ultra. Talvez por isso alguns atletas se tenham cortado a elas, fazendo-as a pé. Nós, armados em duros, fizemo-las todas, sentados nas nossas burras.
Pouco depois, o amigo JB encontrou alguns conhecidos da Airbike, com quem fez este ano a Maratona do Centro e claro, ficou na palheta com o pessoal. Com o pessoal ou com a menina que os acompanhava, não sei…
Já com o JB ao pé de mim, apanhámos ou fomos apanhados por um grupo de amigos espanhóis. Um deles iniciava uma subida à nossa frente, cantando alegremente e em bom tom quando subitamente ouvimos ‘pliimm’ e vemos um selim cair por terra. Tinha-se partido junto ao espigão, tendo-o levado certamente ao abandono.
Seguíamos nesse momento com média de 18km/h e estávamos constantemente a ver as mesmas bicicletas e os mesmos participantes. Os abastecimentos surgiam e eram sagrados para nós. Parávamos e sem pressa de arrancar comíamos e provávamos tudo a que tínhamos direito. Não esquecíamos também a bicicleta, aproveitando para efectuar alguma lubrificação com o óleo cedido pela organização. Quando começávamos a arrefecer queria dizer que estava na hora de nos fazermos ao caminho e lá íamos nós para mais um troço de aventura.
Recordo-me de ver dois lindos cavalos, a atravessar o trilho que seguíamos. O ciclista à minha frente terá até abrandado meio assustado com um salto que o animal deu. Lindo!
Um dos pontos altos desta ultra-maratona aconteceu ao km 84. Depois de uma subida-parede vejo um grupo de ciclistas um pouco à toa sem saber para onde continuar. Apercebo-me que alguns terão voltado atrás para confirmar o caminho, outros terão tentado alternativas à procura de rodados e outros ainda, num grupo de 20-30, desistiram e foram-se embora para Serpa por estrada. Ainda fiz um telefonema para a organização e mandaram-me ligar para um outro número, mas não chegou a ser preciso pois tivemos indicações de um outro companheiro do caminho a seguir. Alguém por maldade terá retirado as marcações numa extensão de 4km ao que a organização respondeu com um semear de estacas brancas pelo chão, levando desta forma os participantes até à próxima zona de abastecimento. Tivemos a sorte de ir num grupo mais recuado o que deu tempo de reacção à organização, e não perdemos praticamente tempo nenhum com este contratempo.
À medida que os quilómetros avançavam as maiores subidas ficavam para trás e o percurso tornava-se um pouco mais rolante. É engraçado o funcionamento da mente humana. Normalmente levo o conta-quilómetros com a função ‘hora’ no display, isto para não ir constantemente a fazer contas à distância. No entanto, nos abastecimentos perguntava quantos km’s faltavam até ao próximo ponto de apoio e ia a fazer contas na mesma calculando a hora de chegada. Notei por exemplo que para o JB foi importante a passagem pelo km 100, funcionando o mesmo como barreira psicológica. Deu-me ideia que ele terá quebrado fisicamente mais cedo do que o habitual, pois na verdade não teve uma preparação dedicada para este dia mas com a passagem do quilómetro 100, vi-o ganhar novo fôlego. Creio que terei resistido mais tempo à fadiga mas quando esta se instalou, acompanhou-me sem variações té ao fim.
Último controlo e a pergunta que se impunha: “Quanto falta?”. Cinco quilómetros para completarmos a nossa primeira Ultra. Cinco quilómetros que se iniciaram no alcatrão e que me faziam crer seguirem naquele piso até Serpa, pois no meu GPS já conseguia ver o ponto onde tínhamos iniciado. Errado. Três ou quatro quilómetros para serem feitos em terra, com algum desnível e desta vez com vento. Contra, claro! À chegada, o JB fez um pequeno compasso de espera para que terminássemos juntos esta nossa aventura.
Após a chegada, passei alguns momentos complicados. Sentei-me por instantes num lanço de escadas a descansar e senti por duas vezes cãibras num gémeo mas o pior ainda foi o facto de ter arrefecido ao ponto de ‘bater o dente’ e de não me conseguir controlar. Estava mal agasalhado. Com medo de ter calor e transpirar muito fui só com a jersey de manga comprida das carinhas sorridentes sobre o pêlo. Quando começava a arrefecer nas zonas de abastecimento, queria dizer que estava na hora de começar a pedalar e rapidamente voltava à temperatura normal mas agora, no fim da prova, até ir tomar banho senti muito frio. Creio que aprendi a lição.
Após o banho, tomámos um café e regressámos a Lisboa, não sem antes nos abastecermos no Canal Caveira.
Em jeito de conclusão, o empeno foi grande mas… passou depressa. O objectivo de concluir esta distância estava cumprido e a alegria em conseguir terminar uma Ultra-Maratona tem-me acompanhado nestes dias que se seguem.
Para o curriculum fica a participação e alguns números:
- 157Km percorridos;
-10h04m de tempo total;
- 9h06m a pedalar;
- 17,26km/h de média;
- Mais de 2500m de desnível acumulado (quando descarregar o track GPS dou o número certo).
Obrigado a todos pelo v/apoio e… venha o próximo desafio que a fasquia está alta."
Relato do JB:
"Desafiado pelo SD à algum tempo resolvemos inscrever nesta Ultra Maratona de Serpa 160kms. Sexta lá fomos nós e as nossas bikes em direcção a Serpa. Depois de um bom jantar no restaurante Molho o Bico em Serpa fomos descansar na excelente estalagem de São Domingos a 30 km de Serpa.
Pequeno almoço tomado e siga para Serpa…..
Às 8 horas em ponto lá estávamos na linha de partida para esta nossa aventura de 160 km.
Logo no início do percurso, num single track junto do Guadiana dei uma pequena queda, mas nada de grave. O piso era rocha que por sua vez estava bastante molhada e a roda com algum barro fez com que eu fosse experimentar o chão alentejano. A sorte é que ia devagar e caí para o lado certo J
Até mais ou menos ao km80 foi um constante sobe e desce e o corpo a ser massacrado. Esta primeira parte revelou-se difícil e o corpo começava a revelar alguns sinais de cansaço. Aí também tive um bocado de culpa pois não me alimentei o suficiente e só quando a chuva apareceu e como tive de retirar o impermeável é que resolvi alimentar-me bem. Com o SD sempre por perto e quando não estava fazia o favor de esperar por mim estes kms lá se fizeram com maior ou menor dificuldade.
Depois veio a paragem “reunião” ao km83. Como não havia sinalização um grupo de bttista estava reunido pois a sinalização tinha desaparecido. Depois de uns telefonemas o problema ficou resolvido e lá fomos nós para mais 80 kms.
Esta segunda parte foi mais rolante do que a primeira contudo o cansaço também se ia acumulando. Os abastecimentos ajudavam a recuperar o fôlego e já começávamos a fazer contas aos kms que faltavam e Serpa era “quase” já ali. O céu continuava cinzento e de vez em quando a chuva resolvia aparecer com a ajuda do vento….
Ultimo abastecimento, últimos 30 kms e um último esforço até Serpa. Nesta parte do percurso as subidas ajudaram a dar cabo do resto das energias que ainda restavam nos músculos e no cérebro…
No último agrafo a senhora informou-nos que só faltavam 5 km para o final e aí foram-se as ultimas energias, mas de Serpa nem ver…. Já estava a pensar que os 5 eram 10 ou mais kms quando de repente vejo a linha de meta, olho para a retaguarda e vejo o SD e abrando o ritmo para chegarmos juntos e sorridentes por mais este objectivo cumprido….e comprido.
Ainda dizem que o Alentejo é plano, no sábado verifiquei que não é bem assim….mas verifiquei que os trilhos, as paisagens, a natureza são do melhor que há. Pena o tempo estar cinzento, pois com sol o Alentejo tem outra beleza.
Obrigado SD pela companhia em mais esta aventura,
Mais uma para o Curriculum."
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