2009-03-16

24H BTT de Coruche - 7 e 8 de Março de 2009

Coruche, terra de arrozais e planícies...
Errado! Há muito mais relevo do que parece. Que o diga quem participou nas 24 H de 2009.
O início e o final de cada volta eram de facto planos e junto ao rio, mas ainda não se tinham percorrido dois km e já dávamos de caras com uma subida longa que não era muito inclinada, mas que foi fazendo mossa com o passar das horas. Depois entrava-se num sobe e desce muito divertido... Bem... Divertido era só o desce, porque o sobe não tinha piada nenhuma, em especial duas rampas em piso solto, umas das quais impossível de subir e outra que apenas fiz parcialmente nas primeiras voltas, tendo depois optado por poupar esforços e feito a pé. Além disso tínhamos que subir uma rua que tinha degraus ao meio e calçada nos lados, acompanhando a inclinação dos lanços de degraus e dos patamares. Fazia-se a pedalar, mas era muito massacrante, especialmente tendo em conta que as rampas em calçada mais inclinadas começaram a ficar muito escorregadias à medida que a água ia escorrendo por elas abaixo. Subi a pedalar as nove primeiras voltas e depois foi sempre a pé para poupar energias. A verdade é que este constante monta/desmonta foi péssimo para as pernas.
As descidas... Bem, as descidas eram um mimo. Algumas eram algo perigosas, mas à medida que as trajectórias iam ficando conhecidas eram uma maravilha.A mais técnica teve espectadores sempre que lá passei e à noite desconfio que deve ter corrido muito álcool por aquelas bandas, porque os comentários à nossa passagem já indiciavam raciocínio toldado.

Confesso desde já que a disposição para participar na prova estava longe de ser a melhor, mas à medida que se aproximava a hora da partida a vontade de pedalar foi aumentando. Fez muita falta o ambiente que se cria quando se participa integrado num grupo grande e ter ficado sozinho de noite, apenas com apoio à distância através de telemóvel é duro, como adiante se verá.

Fui lá buscar as coisas e montar a tenda na véspera, mas vim dormir a casa. Ainda assim estava lá muito cedo no sábado, o que deu tempo mais que suficiente para preparativos e para a volta de reconhecimento.

Às 14:00 foi dada a partida para as minhas terceiras 24H a solo e, como é habitual, comecei no final do pelotão para evitar molhadas e fazer a minha prova de trás para... o meio ;-) .

Na primeira volta houve alguns engarrafamentos nas passagens mais estreitas, mas nada de muito problemático. No início da segunda volta, na tal subida longa, reparo que ia à minha frente a Sónia Lopes e colo-me a ela, porque imaginava que estaria a lutar para o primeiro lugar das senhoras, o que pude confirmar mais tarde. Ela sobe muito bem e tive que me esforçar muito para a acompanhar, mas lá a fui mantendo à vista. Se me mantivesse por perto tinha fotos garantidas. É a táctica usada no atletismo, em que há uma data de emplastros que se colocam junto à primeira das senhoras. Como não têm pernas para acompanhar os homens assim garantem os seus segundos de fama. Pois bem, desta o emplastro fui eu.Entretido nestes pensamentos reparo que ali por perto ia outra ciclista que também estaria a lutar pela liderança (Filipa Gonçalves). Se com uma senhora já era bom, metido no meio do duelo pela liderança ainda era melhor e ali me fui deixando ficar ora à frente, ora atrás, dependendo das subidas, das descidas, ou das zonas técnicas que íamos passando. Esta luta tinha alguns pormenores engraçados que fui observando. A Sónia ganhava alguma vantagem nas subidas, mas a Filipa destacava-se nas descidas mais técnicas e inclinadas, de modo que no final da volta tinha mais de uma centena de metros de vantagem sobre a Sónia. Ora o final era a rolar e “eu gosto é de rolar”, de modo que no final da volta fui acelerando e ganhando velocidade. É nessa altura que reparo que vem uma sombra colada a mim (a Sónia) continuei a aumentar o meu ritmo e a sombra continuava encostada, até que apanho a Filipa mesmo antes da entrada para o acampamento. Entretido nesta brincadeira estava a fazer trinta e poucos minutos por volta, que era muito melhor do que eu tinha previsto. Este jogo do gato e do rato repetiu-se até ao final da quarta volta, quando eu disse adeus às meninas porque ia parar nas boxes. O ritmo estava demasiado elevado para mim, com alturas em que as pulsações atingiam 170 bpm, que é quase a minha FCM. Foram umas voltas divertidas em que até deu para trocar umas larachas com as campeãs, mas havia que descer à Terra. Disse-lhes até logo, que ia parar e elas já me apanhavam outra vez. Elas, simpáticas, despediram-se e lá continuaram a sua luta.

Daqui até ao período nocturno não houve nada a registar e lá fui dando voltas atrás de voltas, agora a um ritmo mais realista, nunca mais me cruzando com elas.
À medida que os quilómetros se acumulavam fui pagando os excessos das primeiras voltas e comecei a ter ameaças de cãibras, pelo que reduzi muito o ritmo e comecei a desmoralizar um bocado. Quando parei para jantar e montar luzes o ânimo era pouco, mas lá segui para o período nocturno acompanhado do MP3. A primeira volta correu muito mal, com várias ameaças de quedas nas zonas mais técnicas. Como é que a percepção do terreno varia tanto do dia para a noite? Não sei se teve influência, mas nas voltas seguintes ia só com um auricular e as trajectórias começaram a sair mais certinhas voltando a divertir-me nas descidas. As subidas é que eram cada vez mais penosas, até que lá pelas duas da manhã desisti de fazer a subida longa montado e nessa volta foram quatro as zonas que fiz a pé. Isto foi determinante para decidir esticar-me um bocado. O ânimo não era muito, e ainda era pior se andasse a fazer voltas a pé. Entretanto as ameaças de cãibras tinham desaparecido, mas as costas começavam a ficar massacradas. Tudo junto: tenda com ele.

A noite não foi descansada (nunca é), mas a determinada altura sinto água a cair com força em cima da tenda e pensei: “A chover? Isto vai ficar perigosíssimo. As 24h acabaram para mim”. Estava mesmo convencido que não voltaria a pedalar e deixei-me ficar no choco, que me estava a saber muito bem. Pelas sete e tal envio uma mensagem à família que ia ter comigo a dizer para não irem que eu não pedalava mais, mas fico a saber que já estavam a chegar.
Eh pá... Era chato desistir agora. Então e o meu orgulho?
Começo a levantar-me e verifico que afinal não tinha chovido, tinha sido a rega automática que tinha disparado. Lá se foi a primeira desculpa.
Vou ver as classificações para ver qual tinha sido o meu trambolhão durante a noite e verifico que praticamente estava no mesmo lugar (38º), o que queria dizer que o pessoal do meu campeonato tinha todo ido dormir e que até havia ainda possibilidade de subir uns lugares. Lá se foi a segunda desculpa.
Entretanto, mensagem daqui, telefonema dali, contacto com outros Just4Funners espalhados por esse país e o orgulho próprio lá se ergueu dos escombros e decidi continuar.

Recomecei a pedalar pelas nove e pouco e já só fui fazendo paragens curtas para reabastecimentos até ao final.
Nas últimas voltas voltei a encontrar a Sónia e a Filipa que iam novamente juntas, mas a Sónia levava já algumas voltas de avanço, tendo praticamente garantida a vitória na prova. Deu para mais alguma cavaqueira e durante algumas voltas ainda nos voltámos a cruzar, tendo sempre algumas palavras para trocar.
Muito simpáticas estas meninas. Um verdadeiro exemplo de como podem ser excepcionais naquilo que fazem sem ganharem ares de superioridade e mantendo sempre a simpatia, mesmo ao fim de vinte e tal horas a pedalar. Tiro-lhes o meu chapéu (talvez o mais adequado seja tirar o capacete ;-) ). Só para reforçar esta ideia, numa das últimas voltas a Sónia estava parada numa das zonas mais técnicas e apertadas e quando me aproximei, além do cumprimento da ordem apressou-se a sair do trilho e a puxar a bicicleta para fora. Ainda lhe disse que não valia a pena apressar-se que eu tinha muito tempo, mas ela foi mais rápida a desviar-se que eu a dizer isto. São estes pormenores que fazem os verdadeiros campeões, ao contrário de alguns pseudo-atletas que sempre aparecem nesta provas e que não olham a meios para passar quem se atreve a seguir à sua frente.
Fiz as minhas contas para terminar a minha última volta às 13:45, para entregar o chip rapidamente, mas um furo nos quilómetros finais “furou-me” as contas e acabei a última volta apenas seis minutos antes do fim do tempo. Ainda fui guardar a bicicleta e quando fui entregar o chip fui apanhado pela molhada e pela resposta lenta de quem estava a receber os chips e devolver os documentos que serviram de caução. Foi muito mau o tempo que nos fizeram ficar na fila ao Sol.
Foi mesmo o ponto mais negativo que testemunhei, apesar de não ter almoçado nem tomado o pequeno-almoço da prova, porque fui prevenido de casa. De resto o percurso estava excepcionalmente marcado e durante todo o tempo houve uma equipa que foi refazendo as marcações. Esteve a GNR durante as 24 horas a cortar o trânsito nas zonas mais perigosas e apenas no período nocturno o controlo dos atletas no percurso abrandou permitindo algumas irregularidades. Eu próprio fui testemunha de um caso estranho. Passei um atleta na subida longa que depois me apareceu novamente à frente sem o ter visto passar por mim, mas provavelmente era eu que já ia a dormir e não o vi passar... Por acaso, no cimo da subida, se em vez de virar à direita se virasse para a esquerda evitavam-se umas centenas de metros e apanhava-se o percurso mais à frente.
Começo a achar que isto já não é defeito, é feitio e já nem me chateio muito.

Entretanto, quando saí de lá estava em 32º lugar com 18 voltas e pelas minhas contas tinha feito 19. Quando vejo as classificações dois dias depois estou em 31º com 20 voltas. Das duas uma ou enganei-me nas contas ou enganou-se a organização. De qualquer modo, mais volta menos volta ficaria pelo trigésimo e pouco, ou seja, a meio da tabela, que era um dos meus objectivos. Ainda vou tentar confirmar com os meus registos quantas voltas fiz, mas o Polar deixou de registar km a partir de metade (que raio de altura para acabar a bateria do sensor) e apenas poderei confrontar a quantas voltas correspondem os 162 km que marcou o ciclómetro com o percurso que captei com o GPS.

Uma observação final para dizer que estas provas estão a ficar cada vez mais competitivas e já não é fácil para os pára-quedistas (como eu) fugirem ao final da classificação.
Venham as próximas, embora esteja a considerar voltar a participar em equipa.

PL

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