Relato do PL:
Foto RandonneursPortugal
Nada como algum distanciamento temporal sobre eventos em que
participámos para não nos deixarmos envolver por euforias ou desalentos
passageiros.
É assim que, mais de duas semanas depois de concluir na
companhia do SD o meu primeiro Brevet de 400 km dos Randonneurs Portugal, me
disponho a passar a escrito alguns detalhes da nossa participação.
Sem demorar muito em considerandos sobre o sucesso da
aventura, ficam para memória futura os registos de 410 km a pedalar em menos de
24 horas. Foram três ou quatro minutos a menos, não importa, o que importa é
que foram menos de 24 horas. Na verdade este registo apenas serve para
alimentar o ego de cada um, porque na essência dos BRM, o tempo que se demora é
irrelevante desde que seja concluído dentro da janela disponível, que neste
caso se esgotava em 27 horas. Quer isto dizer que ainda tínhamos uma folga de
três horas para resolver algum contratempo.
Estar a pedalar durante 24 horas (contando com os
inevitáveis tempos de paragens) dá para passar por muitos estados de alma, o
que se confirmou neste caso.
De início foi a euforia que me levou a exageros que viria a
pagar mais tarde. Estava assumido que iríamos tentar apanhar o “comboio” até
Montemor, para que as primeiras horas a pedalar se fizessem com menos esforço,
mas tivemos a infeliz surpresa de apenas estar disponível o TGV, quando
estávamos a contar apanhar o Intercidades. Foi assim que nas primeiras horas e
até se chegar por volta de Pegões se pedalou a médias bem superiores a 28 km/h.
Se para alguns isto não é nada, para mim é muito, mas o entusiasmo inicial e a
insensatez da madrugada toldaram-me o raciocínio, que apenas acordou por
alturas de Vendas Novas, onde decidimos saltar do comboio e continuar em ritmos
mais adequados para o desafio que tínhamos que enfrentar.
Fez-se a primeira paragem em Montemor, como previsto, embora
mais rápida que o planeado e ala que aí vão eles a caminho de Évora, por onde
passámos sem parar em direção a Reguengos, já num ritmo bastante mais baixo que
o inicial. A noite estava fria, mas com um luar espetacular. Por várias vezes
referimos isso enquanto íamos vendo a Lua a deitar-se e o despontar da aurora
com os sons únicos da madrugada no meio do campo. Eram poucos os carros que se
cruzavam connosco, o que nos agradava muito, pois permitia desfrutar cada
momento. Também já seguíamos sempre sozinhos, apesar de em alguns retas maiores
ainda vislumbrarmos luzes vermelhas de outros participantes. Depois de alguns
ameaços de sonolência, contrariados com umas bocas e umas “cantorias”, vimos o
nascer do Sol pouco antes de Reguengos de Monsaraz, local onde fizemos uma paragem
para transferir carga dos porta-bagagens para o estômago, seguindo em direção
ao controlo do Mourão, onde chegámos antes das 8 da manhã, num tempo que apesar
de não ser espetacular, era muito interessante, dado que estavam já percorridos
175 km sem pregar olho. Demorámos um pouco a tomar um segundo pequeno-almoço e
estávamos de saída quando chegou um outro randonneur que decidiu ficar mais
algum tempo a comer.
Foi depois desta paragem que a “suína torceu o apêndice
retal”. Algures a meio caminho até Moura comecei a sentir picadas no joelho
direito que não me permitiam pedalar em pé e mesmo sentado me dificultavam as
subidas. Como é lógico a média caiu a pique e com a média caiu também o ânimo.
Tentávamos gracejar e gozar as paisagens mas o joelho não permitia grandes
ânimos. Arrastei-me até Moura, onde estava o controlo seguinte e onde fizemos
uma paragem maior, que serviu para nos desfazermos do excesso de agasalhos,
para comer, besuntar protetor solar e usufruir de uma spray para as dores que a
organização tinha no carro (obrigado Filomena). Além de minimizar o
desconforto, este spray funcionou também no ânimo que recuperou um bocadinho.
Foi aqui que ficámos a saber que atrás de nós só havia mais dois participantes
(Apolinário e Ângela) com quem nos cruzamos à saída de Moura e a caminho de
Alqueva.
Infelizmente, o troço que se seguia até Portel era pouco
simpático, com muito sobe e desce e se o “desce” era bem-vindo, o reverso da
medalha era o “sobe” que se seguia. A média não recuperava e eu começava a
fazer contas ao tempo de conclusão que ia ser muito longe do que tínhamos
planeado, pois já tínhamos consumido a pedalar os tempos que tínhamos poupado
com a média inicial elevada e com as paragens mais curtas. Não me passava pela
cabeça não concluir, mas ainda haveria muito sofrimento até final, até porque
me lembrava vagamente do perfil de altimetria e sabia que até voltarmos a
passar em Montemor ainda muitas picadas havia de sentir nas subidas.
Quando avistámos o típico castelo de Portel tive uma nova
injeção de ânimo, porque queria dizer paragem para almoço, ligeiramente mais
tarde do que o previsto, mas ainda assim almoço. Parámos no primeiro café que
encontrámos e se inicialmente tinha mais sede que fome (“é uma cerveja, uma frize
limão e duas águas frescas sff”), acabei por me render ao aspeto da bifana e
batatas fritas que o SD tinha pedido e acompanhei-o, até porque tinha que comer
qualquer coisa para ensopar os líquidos. Tivemos sorte porque o café estava num
parque e tinha as casas de banho ao lado, o que nos permitiu fazer alguma
higiene básica que soube muito bem. Tudo isto somado há de ter feito algum bem
ao ânimo porque as velocidades a que seguimos nas longas retas até Viana do
Alentejo nada tinham a ver com o passo de caracol com que vínhamos a progredir
anteriormente. O joelho, que tinha acordado antes de Portel, de vez em quando
dava sinal, mas o ânimo recuperado parecia que não lhe ligava.
Em Viana do Alentejo fizemos uma paragem não muito longa no
controlo, demorando apenas o tempo necessário para abastecer de líquidos e
voltar a por spray no joelho. Seguia-se uma parte onde sabia que ia sofrer,
pois ainda teríamos de subir uma serra antes de Montemor e não fazia ideia como
o joelho ia estar, no entanto ia dizendo ao SD que quando chegássemos a
Montemor o desafio estava feito. O SD argumentava que nessa altura ainda
faltariam quase 90 km, mas eu mantinha a convicção que lhe fui repetindo de vez
em quando.
O problema de termos muita informação é que às tantas
antecipamos demais as dificuldades e mesmo tendo parado em Santiago do
Escoural, para comer, beber e descansar antes da subida à serra, não consegui
transpor a subida a pedalar. Atirei-me a ela com vontade, mas à medida que foi
empinando a velocidade diminuiu e a cada pedalada sentia uma picada no joelho.
Sensivelmente a meio decidi desmontar e fazer o resto a andar (a andar o joelho
não me doía) na perspetiva de chegar a Montemor com o joelho em condições mínimas
que me permitissem garantir os 90 km quase sempre a rolar que nos faltariam. Já
em algumas subidas antes de Portel eu tinha feito pequenos troços a andar, mas
desta vez terá sido mais de um quilómetro. Julgo que o SD terá ficado
apreensivo quando parou no fim da subida e me viu aparecer a andar, mas
expliquei-lhe a opção e lembrei que quando chegássemos a Montemor estava feito.
De facto, quando avistámos o Castelo de Montemor apoderou-se
de mim uma grande alegria e o tal sentimento de que estava feito. Agora eram só
90 km e quase sempre rolantes. Está bem, ainda tinha umas subidinhas até Vendas
Novas e a subida no quilómetro final, mas não era isso que nos impediria de
terminar dentro do tempo limite.
Foi por estas alturas que cada um de nós assumiu o desafio
de terminar antes da meia-noite, de tal forma que diminuímos ao mínimo as
paragens planeadas, nem sequer parando em Montemor e seguindo logo para Vendas
Novas, onde paramos apenas no LIDL para comprar líquidos e preparar o material
para a noite que se avizinhava.
Daí para a frente foi “sempre a dar” com algumas ligeiras
paragens para estender a perna e aliviar o joelho. Estava convencido que não ia
conseguir fazer a subida para o controlo final a pedalar, mas quando fiz a
curva e ela me provocou, não se ficou a rir. Força nos pedais que agora “ou
morro ou fico maluco”. Não fiquei maluco nem morri, mas acabei com o que
restava do joelho. Aparentemente teria sido uma estupidez, mas o que fez mal ao
físico fez bem ao ego. A verdade é que uma semana depois o joelho já não doía e
se fizesse aquilo a empurrar a bicicleta nunca mais me ia esquecer.
Foi assim que alguns minutos antes das 24:00 estávamos a
entregar os cartões de controlo com um ar estafado mas feliz.
Como calculava, este seria o brevet de 2013 onde iria tirar
mais ensinamentos. Para isso foi muito importante e não defraudou as
expectativas.
Havia a questão da noite inteira a pedalar, que me deixava
apreensivo, mas que foi bem resolvida. Só depois do almoço em Portel senti
alguma sonolência.
Havia a questão da distância, que foi ultrapassada, mas mal
resolvida por causa do joelho. Há que refletir um pouco mais sobre isto para
minimizar possibilidade de repetição.
Havia a questão das costas, das mãos e do “fundo das
costas”, que se poderiam ressentir das muitas horas em cima da bicicleta. As
costas portaram-se muito bem, sem nenhuma dor, ao que não deve ser alheio o
trabalho específico de ginásio que tenho feito. As mãos revelaram alguma
dormência e vão merecer alguma atenção na procura de material que amorteça
melhor o contacto com o guiador. O “fundo das costas” também se portou
relativamente bem, com a conjugação, selim, calções e creme a ter resultados
positivos (houve uma reposição de besuntamento cremoso cerca dos 300km).
Para 2014, de acordo com o Plano delineado até 2015, há que
aumentar a fasquia, até lá ainda há muito que pedalar J