2008-12-21

Tróia-Sagres - 13 de Dezembro de 2008

Os Just4Fun estiveram presentes mais uma vez, desta vez com seis elementos.
Os relatos dos participantes em baixo:

Relato do SD:

"5:00. Toca o despertador. Saio do certo para o incerto. Deixo para trás o conforto da cama e desperto para um longo dia que se prevê… duro.
5:25. Tento não fazer barulho, saindo de casa do jeito que muitos costumam entrar a estas horas, i.e., com pezinhos de lã. Arrumo os últimos sacos e aguardo no carro pela chegada do amigo Paulo Leitão. Chuvisca. Afinal as previsões meteorológicas parecem não se ter enganado.
5:30. Chega o amigo Paulo Leitão. Trocamos um ensonado cumprimento. São horas de ir buscar o nosso motorista de serviço.
5:40. Pontual, Francisco Gomes já esperava na rua pela nossa passagem.
6:00. À hora prevista, recolhemos o amigo João Bronze que se faz acompanhar da sua KTM. Com tudo arrumado, seguimos para o ponto de encontro.
6:30. Área de serviço de Palmela. Ponto de encontro para o primeiro café. Delgado Nunes, Pedro Martinho e Fernando Ferreira, apoiados pela Elisabete Novais, constituem os restantes Just4Fun para este… passeio.

Decidimos este ano não utilizar o barco, para chegar a Tróia. Face aos atrasos provocados pela afluência de participantes no ano anterior, preferimos ir de carro, garantindo deste modo a hora de chegada. Durante a viagem até Tróia, a chuva mostra o que nos espera ao longo do dia. Já perto de Tróia, por volta das 7:45 vêem-se já ciclistas a pedalar. Chegámos às 7:50 ao novo cais marítimo de Tróia e começámos de imediato os preparativos para sairmos a pedalar o quanto antes, pois o dia já nascera e queríamos aproveitar ao máximo a sua luz.

8:10. Deixamos os carros e damos as primeiras pedaladas. À frente combina-se uma estratégia de rotação de forma a facilitar o andamento do grupo. Com um ritmo moderado, poupando energias para os muitos quilómetros que tínhamos pela frente, circulo com o Paulo Leitão e João Bronze à frente e observo que os restantes elementos do grupo arrancaram com um ritmo mais lento. Compreendo os seus andamentos, afinal é a primeira vez que enfrentam este desafio.

Ainda não tínhamos chegado à Comporta e já os primeiros pingos se faziam sentir. Neste momento quis acreditar que se tratasse de algum arrufo passageiro entre nuvens, ao mesmo tempo que pensava no impermeável e nas capas dos sapatos que deixara na pickup. Continuei o meu ritmo. Afinal era eu que ia agora a impor o andamento. Um olhar para trás sobre o ombro e já não vejo na minha roda o meu grupo. Verifico então que pedalam a alguns metros atrás pelo que decido manter o meu ritmo.

Começa a chover com mais intensidade. A temperatura não é muito baixa e o vestuário vai resistindo à água. Os nossos carros de apoio brincam à apanhada connosco, esperando a espaços por nós. De objectiva em punho registam a nossa passagem a cada momento. Digo bom dia aos companheiros de viagem que ultrapasso e repondo na mesma moeda aos que passam por mim. Já perto de Pinheiro da Cruz envolvo-me com a viatura de apoio dos ciclistas do Clube de Loulé. Circulando atrás dos seus ciclistas, este carro distribuía CO2 desinteressadamente a todos os que se juntavam à sua retaguarda e obrigava a ultrapassagens fora de mão! Foi o que tive de fazer, não sei antes demonstrar o meu descontentamento por tal comportamento quando passei junto ao vidro do condutor.

A viagem tinha descanso marcado mais à frente. Nos preparativos desta travessia, recordei-me do bem que me soube um café quentinho acompanhado de uma bolachinha, 2 anos antes. Decidi então preparar algo semelhante para oferecer aos meus amigos e que bem que me soube um café quentinho tomado abrigado numa paragem de autocarro. Aliás, as paragens e as cabines revelaram-se importantes infra-estruturas este ano. Café tomado e estômago aconchegado, decidi continuar viagem para não arrefecer mas devia ter esperado um pouco mais pois o segundo carro de apoio transportava um delicioso bolo feito pela Elisabete. Bolas se eu soubesse…

A chuva não dava tréguas e o vento fazia-se sentir de sudoeste. Com a estrada molhada, o guarda-lamas dianteiro retinha a água mas com o vento forte que se fazia sentir, esta era toda dirigida para o pé esquerdo. A impermeabilização das meias que estreei nesta travessia começava a mostrar que as mesmas não estavam ao nível de intempéries pois começava a sentir água no pé, embora a temperatura do mesmo se mantivesse.

Os quilómetros passavam e a chuva e o vento… nem por isso. Comecei a sentir algum mal-estar em cima do selim e não conseguia encontrar a melhor posição sentado. A estrada virava agora em direcção a Porto Covo e o piso degradava-se significativamente. Pedalava agora mais devagar, negociando com o vento a minha progressão. Pouco depois, oiço o chamamento do João Bronze e alegro-me por ter companhia nos quilómetros seguintes. Mais atrás, o Paulo Leitão parava para reabastecer. Percebi que o João Bronze estava bem fisicamente mas que estava aflito das mãos e dos pés. Dizia que estavam uns cubos de gelo. Pouco depois, vimos um ciclista a substituir uma roda no seu carro de apoio, pois este tinha furado. Que grande azar! Quando virámos em direcção a Odemira, a estrada melhorou significativamente e continuei a viagem na companhia do João Bronze. Uns quilómetros à frente, parávamos junto a um café para reabastecer. Dentro de uma cabine telefónica, o Paulo Leitão usava o telemóvel para saber dos restantes elementos do grupo. Percebemos que o Fernando Ferreira e o Pedro Martinho acompanhavam agora a Elisabete dentro do carro de apoio ao Delgado Nunes que vinha um pouco mais atrás. Ao tomarmos um café, rimo-nos com um cartaz afixado na parede que dizia qualquer coisa como “…Leitão quente!”. Era precisamente como o Paulo gostaria de estar… Preparei-me para seguir viagem, pois estava a começar a tremer com frio quando percebo que o João Bronze estava bastante afectado do frio nas mãos e que tinha as suas luvas totalmente molhadas. Emprestei-lhe um par sequinho e ao que parece, foi o ‘click’ que precisava para continuar a enfrentar a chuva.

Pedalámos em seguida uns bons quilómetros juntos mas comecei-me a afastar nas subidas pois estas têm de ser feitas ao meu ritmo, caso contrário, são mais dolorosas. A seguir a Aljezur apanhámos outros ciclistas. Um deles em conversa comigo dizia-me que devíamos ser os últimos. Esta não era certamente a minha preocupação do dia. Chegar, seria uma vitória para mim e com este objectivo em mente continuei a enfrentar as adversidades naturais. Por esta altura, já passara o mau estar provocado pelo selim que é como quem diz, já tinha o rabo formatado. A chuva fria batia forte na cara, parecendo agulhas. Os óculos todos molhados dificultavam a visão. De cabeça baixa, olhava por cima dos óculos para perceber a configuração da estrada. A última subida do dia aproximava-se. Mais do que esta, preocupava-me uma dor no joelho direito que se vinha a agravar nos últimos quilómetros. Tentava pedalar mais com a perna esquerda, evitando esforçar o joelho. Ao chegar às imediações da Serra da Carrapateira, o vento distrai-se e concede-nos um pouco de descanso. Bem fisicamente, tirando a dor no joelho, forte psicologicamente ou não estivesse perante a última dificuldade do dia, subi toda a serra a um ritmo muito forte, contente por cada pedalada que dava, feliz por cada metro que vencia. Passei a todo o gás por um grupo e disse-lhes… “Embora! Lá em cima, é Sagres!”. Adorei a sensação de disponibilidade física que senti nesta parte final do percurso. Olhei para trás e não vi os meus amigos pelo que segui no meu andamento.

As rectas até Vila do Bispo foram percorridas já com pouca luz. A intempérie que se fez sentir partiu alguns ramos e estes, caídas na berma da estrada eram autênticas armadilhas. Numa delas estive quase a cair. Não vira o ramo quando a roda da frente resvalou ao o tocar mas consegui controlar-me em cima da bicicleta. Os últimos quilómetros até Vila do Bispo, foram feitos com o carro de apoio atrás a dar-me alguma iluminação. Pensei nos meus amigos que vinham mais atrás e que não teriam luzes. Também eu tinha as minhas no carro mas… parar para as montar quebrava o andamento. Acelerei o ritmo e parei à entrada da Vila do Bispo pedir ao Francisco Gomes para ir lá atrás dar as luzes ao pessoal. Segui então viagem sozinho, iluminado com a última luz do dia mas agora descontraído porque estava a chegar a Sagres e estes últimos quilómetros são acompanhados de uma berma onde é possível pedalar fora da faixa de rodagem.

Pouco antes de entrar em Sagres, o carro de apoio junta-se novamente a mim e segue-me até ao destino. Vejo a placa da vila e faço um gesto em forma de vitória, com o braço esquerdo. Estava a terminar a minha quarta participação, sem dúvida a mais dura de todas elas. Chegar ao fim com estas condições não é para todos nem é só uma questão de preparação física pois se o fosse teríamos tido seguramente a companhia do Fernando e do Pedro Martinho. Chegar ao fim com estas condições é uma questão de teimosia, insistência, luta, determinação e capacidade de espírito de sofrimento. Factores estes que contribuíram sem dúvida para que o sentimento final de vitória sobre todas as adversidades fosse ainda maior!

Nem após a nossa chegada a chuva parara. Sem condições para trocar de roupa, uns usaram as paragens de autocarro enquanto outros, foram atrás de uma espécie de quiosque para se despirem. Que bem que soube vestir uma roupa quentinha. Seguimos em seguida para a Zambujeira onde jantámos todos juntos. Ironicamente a viagem de regresso foi marcada… pela ausência de chuva! Assim terminou a nossa participação no Tróia-Sagres de 2008. Para a história (para a minha história, claro…) ficam os 196,44km percorridos em 8:50:09 a uma média de 22.23km/h e com uma velocidade máxima de 47,90km/h..

Até para o ano!"


Relato do PL:
"E à quarta foi de vez...
Depois de algumas ameaças que acabaram por não se concretizar, na quarta vez que participei no Tróia-Sagres levei com todo o mau tempo que ficou prometido nos outros anos.
Decididamente esta edição ficou marcada pelo dilúvio que se abateu sobre nós no sábado 13 de Dezembro do ano da (des)graça de 2008.
Pronto, não há mais nada de relevante a contar, pelo menos que me lembre...
...Ou então só isto é que me ficou na memória.
Talvez com um ligeiro esforço me consiga lembrar de mais alguma coisa, mas assim de repente não me vem nada à cabeça.
Esperem...
Lembrei-me agora de me parecer ter chegado a Sagres. Pelo menos a imagem que me ficou na retina era parecida com a dos outros anos e o pessoal estava todo contente e a dar os parabéns a quem chegava a pedalar, por isso devia ser mesmo Sagres. É que eu passei pela placa sem a ver, o que é estranho, porque quem participa nesta aventura faz duzentos quilómetros a pedalar só para ver.
Para onde é que eu iria a olhar?
Se calhar ia olhar para uns metros à frente da roda, como na maior parte do percurso. Ah! Já me lembro. Nessa altura, como já era de noite, não levava óculos e ia de cabeça baixa para tentar que a pala do capacete me protegesse os olhos da chuva e do vento.
Mas estava a chover quando chegámos a Sagres? Pelos vistos sim, mas não me lembro. Lembro-me vagamente de, quando coloquei a luz em Vila do Bispo, reparar que iluminava as gotas de chuva à minha frente, o que até fazia um efeito engraçado.
Aos poucos vou-me lembrando de alguma coisa, já não é mau.
Fazendo um bocadinho mais de esforço lembro-me da alegria que foi começar a subir a Carrapateira, não só porque significava que o fim estava próximo, mas também porque pela primeira vez não sentia o vento contra. Se calhar não estava a favor, mas só o facto de não estar contra já foi um alívio.
Lembro-me de alguns quilómetros antes ter que pedalar para conseguir andar a 20 km/h em descidas onde noutras alturas facilmente se passava os 40km/h sem pedalar.
Lembro-me de passar muito tempo a pedalar sozinho entre Sines e S. Teotónio, ver muitos participantes parados na berma a arrumarem o equipamento e pensar:
- Só espero conseguir aguentar.
Lembro-me de algures no meio do percurso olhar para baixo e ver água a correr em bica pelas mangas, a água levantada pela roda da frente ser toda empurrada pelo vento para o sapato esquerdo e de sentir as gotas da chuva batidas pelo vento a picarem-me na cara ao ponto de fazer doer. Lembro-me que essa terá sido das alturas mais complicadas. Já pedalámos muito, mas ainda falta muito, as pernas começam a dar sinais preocupantes e a dúvida de conseguirmos chegar ao fim é ampliada pela intempérie que nos está a cair em cima.
Lembro-me de ter deixado cair um bidon que escorregou nas mãos molhadas e que se partiu quando bateu no asfalto. Lembro-me de parar rapidamente para beber o resto da bebida que ainda continha e de ficar apreensivo porque não sabia onde estava o carro de apoio. Lembro-me de colocar o bidon partido e vazio no suporte para o deitar no lixo na próxima oportunidade. Lembro-me de ter encontrado o primeiro caixote menos de um quilómetro depois e de, quando ia parar, ter visto o carro de apoio junto a um café com mais dois companheiros de infortúnio (SD e JB). Lembro-me também de, em vez de colocar o bidon no lixo, ter tido um bocadinho de boa disposição para fingir que ia deitar a bicicleta no caixote, perante o olhar (incrédulo?) do pessoal. Lembro-me que este encontro, esta brincadeira e um café me deram ânimo na altura mais complicada e de termos seguido os três juntos (ou perto) quase até ao final, o que facilitou a conquista do objectivo.Lembro-me de me ter enganado junto a Milfontes porque não levava GPS. Mas porque é que não levava GPS?
Lembro-me vagamente de ter passado, após São Torpes, um troço de estrada esburacada com vento e chuva contra e progredir à vertiginosa velocidade de 15km/h.
Lembro-me de ter feito o troço entre a Lagoa de Santo André e Sines com mais três companheiros, mas quem eram eles? Das fotografias que já vi, parece-me que são o PM, FF e o DN, mas as fotos estão desfocadas como as minhas recordações. Esperem, eram mesmo eles. Foi um bocado fixe, porque em grupo passam-se melhor os quilómetros. Até deu para dizer umas larachas.Continuando este esforço de memória lembro-me de ter bebido um café em Brescos preparado pela equipa de apoio, acompanhado por um bolo de nozes que souberam muito bem e de começar a ficar gelado apenas por estar uns minutos parado.
Já agora, também me lembro de começar a pedalar sob um chuvisco que cumpria a previsão atmosférica e de me tentar enganar pensando:
- Isto é só agora de manhã e já passa.
Afinal passou, mas para pior.
Lembro-me de tentar ligar o GPS antes da partida e não dar nada, porque tinha a bateria descarregada, de me arrepender de não ter verificado isso na véspera e de pensar:
-Já é a quarta vez que fazes o percurso, não te vais enganar.
Pois é... foi por isto que não levei GPS e sempre me enganei.
Afinal, com algum esforço lembrei-me de muita coisa. Até me consigo lembrar do SD, JB, DN, PM e FF que embarcaram nesta maluqueira comigo e do FG e EN que se deixaram enganar para irem conduzir os carros de apoio e que muitas vezes devem ter pensado:
- Mas quando é que eles ganham juízo e entram para os carros?
Parece que à vinda para Lisboa jantámos todos juntos. Pois foi... e eu comi moelas que estavam muito boas, mas onde foi?...
Zambujeira... é isso! (Acho eu).
Num esforço final de memória consigo recordar que levava um Polar na bicla a marcar o tempo. Deixa lá ir ver os registos...
...
Olha, o Polar diz que comecei a pedalar às 8:12 e parei às 17:58, o que dá um tempo de 9:46. Diz também que estive parado um total de 53 minutos, pelo que se conclui que pedalei durante 8 horas e 53 minutos. Vá lá... estava à espera de pior, muito pior, mas quem é que queria saber o tempo de travessia no meio de um temporal daqueles, quando a incógnita era se conseguia chegar ao final.

Agora, uma semana depois do dia D (de Dilúvio), e depois de muito pensar e ler sobre os riscos corridos, chegar ao fim não parece tão importante como foi no próprio dia. Foi uma questão de teimosia mais do que outra coisa e teimosia não revela necessariamente inteligência, mas a partir de determinada altura, quem é que, com o mínimo de discernimento, continuaria a pedalar naquelas condições? Foi de certeza o triunfo do irracional sobre o racional, mas está feito com efeitos colaterais mínimos, que é o que interessa.
Para o ano, quero ver se lá estou, mas numa de passeio, que depois deste não há Tróia-Sagres que me assuste (haja irracionalidade suficiente).
PL"

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